But I don't care if I fuck up
I'm going on a date
With a rich white lady
Ain't
life great?
Elliott Smith
Na versão original deste texto, que publiquei já há uns anos, começava com uma referência a um filme italiano chamado
“Gianni e as mulheres”. Dizia eu que na altura tinha achado alguma piada ao
filme, mas também que daí a uns meses me iria esquecer de todo que o vi. E
esqueci, de tal forma que, quando decidi reescrever este texto para aqui,
até demorei algum tempo a recordar o argumento do filme.
Disse também – e agora até reforço – que costumo chamar a
estes momentos de relativo entretenimento que não têm qualquer hipótese de
perenidade na minha memória os momentos Olivier. Isto acontece porque ao fim de
um ou dois meses de ter ido a um dos restaurantes do Olivier esqueço
completamente o que experimentei e o que senti. E quando digo esquecer
completamente, é mesmo isso que quero dizer, porque por mais que me esforce,
quando não deixo testemunho escrito sobre isso, os pratos que são servidos nos
espaços do Olivier evaporam-se da minha cabeça. Nunca tentei hipnotismo ou
regressões, mas a minha intuição é que mesmo com isso seria incapaz de
recordar, porque o que acontece não é uma espécie de reclusão dessas imagens na
minha memória, é mesmo um problema de desvanecimento. Talvez não desapareça tudo,
porque recordo vagamente um molho muito espesso e enjoativo a arruinar uma
carne muito bem cozinhada. Podia ser black angus ou kobe, já não me lembro. Se
calhar nem era carne. Se calhar era peixe. Das sobremesas não
recordo sequer uma, o que
é preocupantemente estranho, porque se há coisa que raramente desaparece da
minha memória são os doces, ainda que maus. Uma vez cheguei a jurar a um amigo
que tinha comido a melhor peça de sushi no Yakuza, mas ao fim de uns minutos de
conversa dei-me conta de que afinal estava a confundir e tinha sido outro sítio que
não vou agora mencionar porque ando profundamente chateado com eles.
Felizmente, nas duas últimas vezes que fui a um restaurante
do Olivier – ao Guilty –, levei o meu caderno de apontamentos e pude colocar
nele todas as observações que, com o tempo, iriam parar ao fundo, negro e
desolado buraco do esquecimento. Este texto é, por isso, um revisitar
(ampliado) dos apontamentos que na altura tomei a propósito deste restaurante,
uma espécie de visita guiada pelas impressões que, in loco, o espaço e a comida me deixaram.
Os meus primeiros apontamentos são sobre o bom aspecto do
espaço e das pessoas que o enchem. Se há coisa que se pode – e deve – dizer a
propósito do Guilty é que é um restaurante em que quase só vemos dois tipos de
pessoas: as que têm bom aspecto (e mau gosto) ou as que têm dinheiro (e mau gosto). Às vezes vemos pessoas
que conjugam o bom aspecto com o dinheiro, mas confesso que ainda estou para
perceber o que essas lá vão fazer. É que o Guilty é um desses restaurantes a que, muitas vezes, nem se vai para comer.
Do que anotei parece que vi muitos
advogados/gestores pós-30, acompanhados por Porsches Carrera mas daqueles que
têm carne e osso, vestidos bonitos e que comem, mas só de vez em quando. Pelo
menos foi isto que eu escrevi. Também escrevi que gostei do aspecto do
restaurante, principalmente dos sofás (quando não tenho nada que fazer dá-me para isto).
Mas e a comida, que no fundo é o que interessa num
restaurante?
Para vos dar uma ideia do tipo de restaurante de que estamos
a falar, posso dizer-vos que o Guilty, basicamente, serve pizzas, hambúrgueres
e massas, sendo, assim, óbvio que a inspiração do menu deve foi conteúdo da
minha arca frigorífica quando vim estudar para Lisboa. No fundo, é uma espécie de restaurante para jantares de
turma, só que numa versão evoluída, sofisticada, com bons empregos e com
estrogénio de muito melhor qualidade.
A experiência que fui adquirindo a comer em Lisboa
ensinou-me que pizza é no Casanova – ou no Esperança ou no Luca, se o Casanova estiver a
abarrotar e a vontade de comer pizza for incomportável – e que massa é no Casa
Nostra ou no Mezzaluna. Por isso, nestas duas vezes que fui ao Guilty pedi
hambúrguer (puta que pariu a moda do hambúrguer em Lisboa). Numa delas um hambúrguer Guilty (ovo, queijo cheddar, cebola
confitada e bacon – no fundo, tudo aquilo a que um AVC tem direito), na outra
um Italiano (cogumelos porcini, queijo brie, maionese de trufa e rúcula).
Graças às fantásticas pessoas que nessas duas vezes me acompanharam, consegui
ainda assim provar outros pratos, como a pizza Inferno – o equivalente da
fantástica Diavola do Casanova – e a massa Gamberini, que leva camarão, tomate
cherry, natas, manjericão, coentros e limão.
A pizza estava boa, mas não tão boa assim. Sou um fã
hardcore do Casanova, num misto de qualidade efectiva e de um certo excesso de
Lambrusco em noites de concertos no Lux, o que criou em mim uma relação mais
emocional que gustativa com esta pizzaria, mas apesar disso confio plenamente
na minha capacidade de julgar pizzas cozinhadas fora do forno do Cais da Pedra
à Bica-do-Sapato. E esta do Guilty não lhes chega aos calcanhares. Quanto à
massa, apenas anotei isto: “absolutamente indiferente”. Imagino que não
estivesse desastrosa, caso contrário teria escrito um impropério qualquer
contra o Olivier – porque cozinhar mal uma massa preenche o conceito material
de crime –, mas confesso que não me lembro nem de ter provado a massa, nem
sequer do aspecto do prato, pelo que só posso seguir aquilo que, na altura,
escrevi.
Da vez que pedi o hambúrguer Guilty, na primeira tentativa
vinha quase cru e eu temi que ao ensaiar o primeiro corte com a faca o gajo
começasse a mugir. Poderia agora escrever que pedi para o passarem um pouco
mais, mas acontece que estava tão cru que, na verdade, o que eu pedi foi para
desta vez experimentarem cozinhá-lo. Na segunda tentativa o hambúrguer vinha
bem cozinhado, mas esqueceram-se de trocar o pão que, por isso, vinha ensopado
em sangue. À terceira veio tudo como uma pessoa tem direito e o hambúrguer até
estava bem bom, com entrada no meu top dos melhores hambúrgueres de Lisboa. A
carne é de boa qualidade e, apesar do erro inicial, depois veio cozinhada no
ponto certo e razoavelmente suculenta. Claro que se pode sempre dizer que um
dos problemas do Guilty é que a carne de melhor qualidade não está a ser
servida nos pratos, mas isso é outra história. A combinação entre o queijo
cheddar e a cebola confitada não é a coisa mais original do mundo, mas, mesmo
assim, é vencedora. O bacon estava crocante, saboroso e não pingava gordura.
Já o hambúrguer Italiano é uma porcaria. É perfeitamente
normal – e até saudável – que um hambúrguer com cogumelos porcini e maionese de
trufas saiba um pouco a terra. Faz sentido. O que não faz sentido algum é que
com uma combinação de ingredientes que, à partida, parece absolutamente
fabulosa, o resultado final seja algo cuja primeira dentada nos dá a sensação
de estarmos a mastigar uma peça de roupa interior que foi usada durante três
dias consecutivos e depois enterrada no meio de um bosque durante duas semanas.
A rúcula, pensaram eles, é suficiente para disfarçar o mofo geral a que aquilo
sabe, mas o efeito é mais ou menos o mesmo que borrifar com perfume uma pessoa
que não toma banho há uma semana. Não vai melhorar nada.
Há algo curioso a propósito dos restaurantes do Olivier e que os torna preocupantemente assimiláveis àqueles participantes de reality shows que, apesar de odiosos, têm lugar de destaque na imprensa especializada. Cada vez que um restaurante do Olivier é inaugurado, tanto os jornais como a televisão dão destaque ao evento, como se o anterior empreendimento tivesse sido um sucesso que, na prática, não foi. E apesar de já contar com um número significativo de más críticas – e alguma chacota –, o homem sobrevive enquanto empresário de restaurantes. Esta capacidade de resistência não deve ser menosprezada mas, ao mesmo tempo, deve servir para que quem escreve sobre restaurantes em Portugal – e quem a eles vai – consiga perceber que uma parte significativa do universo gastronómico está entregue a pessoas que são, em termos técnicos e de vestuário, um empresário português, mas que não percebem absolutamente nada de comida. Não quero afirmar taxativamente que este é o caso do Olivier, apesar de os indícios estarem lá para quem os quiser ver, mas há algo nítido quando se entra num dos seus restaurantes e o Guilty não é excepção: não foi a paixão pelos ingredientes e pela comida que serviu de base àquela ideia. E por isso mesmo o pai (o Michel da Costa) teve uma estrela Michelin e o filho apenas tem um pneu.
Há algo curioso a propósito dos restaurantes do Olivier e que os torna preocupantemente assimiláveis àqueles participantes de reality shows que, apesar de odiosos, têm lugar de destaque na imprensa especializada. Cada vez que um restaurante do Olivier é inaugurado, tanto os jornais como a televisão dão destaque ao evento, como se o anterior empreendimento tivesse sido um sucesso que, na prática, não foi. E apesar de já contar com um número significativo de más críticas – e alguma chacota –, o homem sobrevive enquanto empresário de restaurantes. Esta capacidade de resistência não deve ser menosprezada mas, ao mesmo tempo, deve servir para que quem escreve sobre restaurantes em Portugal – e quem a eles vai – consiga perceber que uma parte significativa do universo gastronómico está entregue a pessoas que são, em termos técnicos e de vestuário, um empresário português, mas que não percebem absolutamente nada de comida. Não quero afirmar taxativamente que este é o caso do Olivier, apesar de os indícios estarem lá para quem os quiser ver, mas há algo nítido quando se entra num dos seus restaurantes e o Guilty não é excepção: não foi a paixão pelos ingredientes e pela comida que serviu de base àquela ideia. E por isso mesmo o pai (o Michel da Costa) teve uma estrela Michelin e o filho apenas tem um pneu.
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